quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A Polónia da União Europeia

Muzeum Powstania Warszawskiego, Varsóvia, Polónia

Mais uma manhã .
Acordar, levantar e ir à casa de banho. Um café com leite e uma torrada com manteiga. O gato sempre atrás dele. Depois de se vestir e de se pentear, procurava as chaves, a carteira e saía de casa, em direcção ao museu.
Varsóvia também estava igual a todos os outros dias de Janeiro. Cinzenta, com neve, edifícios gigantescos, com gigantes e coloridos neon's, para lembrar a todos os que ali viviam, que há muitos anos que fazem parte da União Europeia.
Saiu do tram e em poucos passos, já estava no museu a conferir os grupos daquele dia: uns alunos de uma escola polaca entre os 13 e os 15 anos, mas tarde um casal belga e depois do almoço, um grupo de polacos reformados e ainda quatro franceses. Apesar de estar há um ano a aprender francês, a visita seria em inglês. Além de inglês e polaco, ele também falava fluentemente alemão.
Há 10 anos que trabalhava como guia no Muzeum Powstania Warszawskiego. Todos os dias falava sobre os horrores da II Guerra Mundial vividos pelos polacos em Varsóvia e em toda a Polónia.

Ele acreditava ter uma missão e por isso, aos visitantes polacos sempre falava da resistência com orgulho. A fome. A pobreza. O centro de Varsóvia reconstruído pelos próprios polacos, que usaram os destroços dos bombardeamentos nesta empreitada. Sempre que ele dizia coisas como "nós"ou "resistência" ou "liberdade", ele levava a mão ao peito, fazendo um olhar solene.
Aos mais jovens, fazia sempre questão de referir a morte do seu avô nas trincheiras ou dos seus tios-avós, depois de uma bomba alemã na capital.
Aos alemães fazia questão de recordar os números. Os números dos mortos. Os números dos feridos. Os números dos presos. Ou das crianças órfãs. Falava também dos números de bombardeamentos e dos campos construídos na sua Polónia. Não culpava estes jovens cultos do sucedido, mas não podia deixar que eles se esquecessem e por isso, sempre usava a primeira pessoa do plural nas suas descrições.
Já aos franceses, ele nunca os deixava esquecer o Governo de Vichy.
E a eles, assim como os ingleses, sempre lhes lembrava como depois de colaborarem "sem descanso e dedicadamente" com os Aliados, a Polónia foi abandonada e deixada à mercê da Rússia de Estaline - mais morte, mais miséria, mais tristeza. "Não merecíamos!" sempre dizia num tom trágico.
Eram poucos os russos que passavam por ali e a esses nem valia a pena contar nada, pois jamais entenderiam a grandeza polaca, fruto de toda morte e tristeza daquele povo.

Ao final do dia, sempre saía do museu confiante de ter concluído a sua missão e que apesar de desconcertados pelo seu bom humor, os visitantes ficavam tocados pelo sofrimento polaco durante e depois da II Guerra Mundial. Era impossível não admirar a força dos polacos e a sua capacidade de se (re)erguer.
A prova disso eram os muitos olhos emocionados, que acompanhavam sem interromper os seus relatos apaixonados ou aqueles que fechavam os olhos perante fotografias cruéis ("não posso ver isto", diziam). Havia também aqueles que olhavam, como que hipnotizados pela crueza da imagem. Os mais sensíveis despediam-se com um abraço (e/ou uma generosa gorjeta).
Era bom no que fazia e sabia-o. Emocionava os corações mais duros e sussurrava à humanidade de cada um, mas sobretudo, falava-lhes dos polacos.
É verdade que podiam não se destacar na literatura ou com grandes músicos, "nem no futebol somos tão bons" gracejava ele, mas nunca na História um povo foi tão capaz de resistir como eles.

Era por isso que no final do dia, sempre saía do museu satisfeito.
Olhava para aquela construção bonita e de linhas modernas e sentia-se orgulhoso. "Nenhum outro país seria capaz de algo assim", pensava ele enquanto voltava a casa., recordando as memórias da família judia, de um dos alunos polacos ou as lágrimas da senhora belga de 50 anos. Ou dos velhos polacos daquela tarde, que buscavam rostos conhecidos nas fotos das ruas de antigamente ou dos 20 euros de gorjeta dos quatro franceses. Dinheiro, que sempre dizia não poder aceitar, mas que sempre acabava no seu bolso.

Já no seu bairro, velho e sem luz, comprava pão e leite fresco.
Em casa, acariciava o gato e colocava os velhos chinelos. Depois, ligava à TV. Em poucos minutos passaria na televisão um documentário sobre a vida secreta de Hitler, que ele não podia perder.