domingo, 12 de outubro de 2014

Ser artista em Udaipur, Rajastão, Índia

Casamento em Udaipur, Índia

Ele era giro, giro, giro!
Ele convidou-as a entrar no atelier dele e foi à rua buscar três chás - dois deles "no sugar, no milk". Não que entendesse aquele pedido, mas também não discutiu com as possíveis comparadoras.
Lá dentro e com o chá entre as mãos, começou a falar dele, apesar de ninguém perguntar. Ele vinha do norte do Rajastão, de uma pequena aldeia e há dez anos que vivia na cidade dos palácios indianos: Udaipur.

O Rajastão, no norte da Índia é uma das mais bonitas regiões do país, com as suas imponentes montanhas e belos palácios. As duas cidades mais conhecidas são Jaipur, a "cidade vermelha" e Udaipur, por vezes conhecida pela cidade de Aladino, devido aos seus românticos palácios.
Nijar deve ter cerca de 30 anos e deixou a sua aldeia quando tinha cerca de 16 anos e nunca mais voltou. Não sabe nada da sua extensa família, apesar de enviar dinheiro, mas segundo ele, ele nunca mais poderá voltar.
O Rajastão é uma das mais conservadoras regiões da Índia, onde o sistema de castas, apesar de ter sido abolido pelo Governo, é ainda muito forte. Aquando a independência da Índia, começou uma forte guerra religiosa entre cristãos, hindus e muçulmanos - sobretudo estes dois. É no Rajastão que vive o maior grupo de muçulmanos na Índia.
Os postais de elefantes, de mulheres de grandes argolas e brincos a unir as orelhas ao nariz e de garridos saris? Pois bem, bem-vindos ao Rajastão.
Niraj não foi à escola e nenhum dos irmãos nunca foi à escola. Os pais são agricultores, assim como foram os avós, os bisavós, os tetravós e sempre foi assim, desde que há memória da família. Segundo ele, a terra da família é fértil e boa, mas o dízimo? O aluguer? A quota? que pagam a uma outra família, deixa muito pouco para a grande família do Niraj.
"Mas por que é que lhes pagam se são vocês que cultivam? O terreno é deles? perguntou uma das raparigas. "Há um contrato?" continuou. Ele não sabe, da mesma forma que os pais não sabem, nem os avós sabiam ou os bisavós ou tetravós. Sempre foi assim e não há porque questionar isso.
Quando os pais detectaram que havia nele algo diferente, deram-lhe algum dinheiro e mandaram-no para Udaipur. A mãe fez uma grande comida e reuniu toda a família para se despedirem. Niraj sabia que não poderia voltar nunca mais. Era uma questão de honra.
Quando chegou a Udaipur, Niraj dormiu na rua e quando ficou sem dinheiro roubou.
Ele explicou às raparigas, que os indianos podem ser muito hospitaleiros, mas com os estrangeiros e ele não era dali. Era um estranho. Ainda hoje, com um negócio estabelecido e reconhecido ele continuava a ser um estranho. As pessoas eram mais simpáticas, mas Niraj sabia que havia coisas que lhe estavam vedadas, como casar ou ter família.
- "Mas tu também és do Rajastão" - disse uma.
- "Mas não sou de Udaipur" - respondeu ele.
- "Mas ninguém precisa saber que não és daqui. Udaipur é tão grande, por que não dizes que não és daqui?"- parecia tudo tão lógico para a rapariga.
- "Mas eu sei que não sou daqui" - determinou ele.

Pintura: mulheres do Rajastão, em Udaipur

Por fim, o menino perdido conseguiu um trabalho num atelier de pintura, de um artista que era também de outra cidade. Outro rapaz trabalhava lá e tal como ele, também revelava um talento inexplicável para as artes.
Os dois aprenderam com o Mestre as técnicas de pintura; o uso das tintas; a conjugar as cores fortes da região; estudaram os símbolos e os mitos, como os elefantes e os cavalos e durante anos, todos os dias, iam repetindo as mesmas histórias aos turistas estrangeiros que passavam por ali. Levavam-nos à loja e bebiam chá, enquanto falavam e falavam e falavam.
Foi assim que aprendeu inglês. Sabe também francês e um pouco de russo. Porém, ainda hoje não sabe escrever e não sabe mais nada sobre a família.

Colecção A Formiguinha, Majora #2

Os Três Vestidos

(Colecção Formiguinha, Editora Infantil MAJORA - Porto, Portugal)

Os Três Vestidos

Um viúvo tinha uma filha, que era muito bonita. Por ser muito bonita, ela chamava-se Linda Branca. É certo que "filho feio não tem pai", mas louvemos este pai e a sua capacidade de antever o futuro relativamente à formosura da sua filha, já no dia do baptismo.

Linda Branca cresceu sempre bonita, mas a vida não lhe sorria.
Quando a sua fada-madrinha lhe perguntou o que a "consumia", Linda Branca respondeu: "A minha beleza" - que mais poderia ser?! Linda Branca arrastava atrás de si uma verdadeira legião de admiradores e todos se queriam casar com ela, mas para ela era importante conhecê-los primeiro, o que é bastante compreensível.

A fada-madrinha, como todas as fadas-madrinhas logo se dispôs a ajudar. Com a sua varinha de condão, logo fez aparecer três vestidos (todos bonitos): um azul e cinzento, outro azul e prateado e um azul e dourado. Ordenou à afilhada que só os vestisse quando ela mandasse e que fosse ao reino ao lado (a quatro léguas) pedir trabalho no palácio. Mas antes transformou-a na mais "feia das mais feias".

Lá foi a feia Linda Branca e logo começou a trabalhar no palácio - outros tempos. 
Quando as festas chegaram e os bailes foram anunciados, a fada apareceu e ordenou-lhe que pedisse licença para ir ao baile. Perante o pedido de Linda Branca, a Rainha disse que ela teria de pedir autorização ao seu filho, o Rei (um pouco confusas estas relações reais e familiares no mundo da Formiguinha. Mas cada reino sabe de si e estamos no Reino da Formiguinha e não da Disney).
O Rei que na altura se encontrava em dificuldade para calçar as botas respondeu - e reescrevo:
- "Autorizo-te, maçadora, porém desaparece-me depressa da minha vista, senão atiro-te com uma bota!" - sem comentários!

Os Três Vestidos


A Linda Branca lá foi, com o vestido azul e cinzento, como a fada ordenou e txran: ficou bela e formosa como sempre.
Óoooobio que o Rei logo se apaixonou. Até, porque não falamos apenas de uma deslumbrante menina num vestido azul e cinzento. Não. A varinha de condão da fada cuidou de tudo e ela apareceu de coche puxados por seis cavalos brancos.
O Rei logo se enamorou e quando lhe perguntou de onde era, ela disse que era do Reino da Bota e foi-se, para tristeza do Reio (pobrinho!), embora.
No dia seguinte, novo baile e lá foi a nossa feia criada (não se esqueçam que sem os vestidos, ela é "feia entre as mais feias) pedir nova autorização ao Rei, que na altura tinha uma verdasca na mão e respondeu:
-"Vai, maçadora, porém desaparece-me depressa da minha vista, senão atiro-te com a verdasca!"

(Antes de prosseguirmos a história, eu esclarecerei o que é uma verdasca.E parece que além de ser uma localidade perto de Fátima,  uma verdasca é também uma pequena e flexível vara - o que faria o Rei com isto, meus amigos, eu não sei. Prosseguimos com a história?)

Segundo baile, segundo vestido (o azul e prateado). A Linda Branca mais linda do que nunca e o Rei ainda mais enamorado. Ela a ir-se e ele pergunta-lhe de onde era ela. Se comeria este Rei demasiado queijo ou se pensasse que ela era agora outra, isso a Formiguinha não explica. Só que desta vez, a resposta foi:
-"Sou do reino da verdasca". - ela foi-se e o rei ficou ainda mais apaixonado. A palavra "verdasca" causa este efeito nas pessoas desses os primórdios dos tempos.

Ao terceiro dia de baile, Linda Branca fez o seu pedido para ir ao baile, enquanto o Rei limpava a cara a uma toalha. E qual foi a resposta dele?
-"Vai, maçadora, porém desaparece-me depressa da minha vista, senão levas com a toalha!"
Um amor este Rei. Um exemplo de educação e respeito para todos nós. Assim, vale a pena ser monárquico.

Quando nessa noite, ele viu a Linda Branca no seu vestido azul e dourado, ela estava mais deslumbrante do que nunca e à pergunta de onde era ela (sim, ele voltou a perguntar) ela respondeu que era do Reino da Toalha e retirou-se.

O que o Rei era de bruto,  também era de sensível e com as saudades, "caiu gravemente doente". Os médicos recomendavam passeios no jardim do palácio
Num desses passeios, ele viu Linda Branca (versão boa como ao milho) e ao terceiro dia conseguiu por fim "apanhá-la", voltando-lhe a perguntar de que reino era. A resposta foi:
-"Sou do Reino da Bota, da Verdasca e da Toalha" - respondeu. Logo ali, o Rei pediu-a em casamento, mas a Linda Branca logo disse que isso dependeria do seu pai e da madrinha.
A fada-madrinha logo apareceu e quebrou o encantamento, passando a Linda Branca a ser linda como sempre fora, fosse com um casaquinho da Feira de Carcavelos, uma saia da Zara ou um vestido Channel. Dias depois, também o pai autorizou e os dois casaram-se, numa boda que durou três dias, informa a Formiguinha em tom de conclusão.




Querida Forimiguinha, que merda é esta?
Então, o Rei é mal-educado e parvalhão. Ameaça a feia da criada ora com uma bota, depois com uma verdasca e com uma toalha e tem direito a ser feliz para sempre?! Onde está a moral?
E além disso, vê a rapariga três vezes no baile e outras quantas no jardim e só sabe perguntar-lhe de onde é? Por que não lhe pergunta o nome? Em que trabalha? Ou simplesmente discutem sobre o existencialismo de Nietzsche ou sobre o actual egocentrismo digital, da nossa sociedade?
E quanto à Linda Branca? Ela é burrinha, certo? No início tanto drama, porque é bonita e quer conhecer os homens, pois eles só querem casar com ela por causa da sua beleza e não sei quanto mimimi e, no final, fica com um homem que só a tratou bem quando ela era gira?!
Qual vai ser a vida da Linda Branca? Ela vai envelhecer, engordar e ganhar estrias e celulite depois de ter filhos. E depois? Sim e depois, Formiguinha, o que vai ser dela? O Rei é mau, é má rés. A Linda Branca merecia algo melhor: uma carreira, viagens, um homem gentil e inteligente, com senso de humor - no mínimo!
E nem vamos falar dela ter que pedir consentimento ao pai e à fada-madrinha, Formiguinha! Nem falemos disso!