segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Dez coisas sobre Raquel na Índia

Quando a Raquel foi à Índia, ela...

Kerala, Índia
1. Disse 784 mil vezes como se chamava, de onde era, o que fazia, com quem trabalhava, quanto ganhava, o quanto estava a gostar da Índia, os locais que  já tinha visitado e do que mais gostou.
Privacidade ou senso de intimidade são coisas que não existem. Se der por si, a dizer quanto ganha, quanto desconta à segurança social e quanto paga de renda de casa ou de luz, com alguém que conheceu há 5 minutos, não se admire.


Celebração do Diwali, em Nova Delo
2. Tirou 726 mil fotografias a desconhecidos e recebeu dezenas de moradas (moradas, não emails) para enviar as respectivas fotos, mas sobretudo ela tirou muitas fotografias aos milhões de cores e tonalidades da Índia.
Em também foi abordada para posar em fotografias com desconhecidos umas 726 mil vezes mais.
Ela voltava a sentir-se como uma celebridade, cada vez que saía de um comboio e era assediada pelos cinquenta motoristas de tuk-tuk à porta da estação - ou do próprio comboio.



Mercado em Pangum
3. Agora dupliquemos esse número por dois. Esse foi o número de vezes que ela disse que queria um chá, sem leite e sem açúcar. O império britânico foi bem mais do que o desenvolvimento da linha férrea. O chá é servido com leite e um quilo de açúcar.
Já agora, comer na rua ou numa guest house barata, é cinco vezes melhor do que um restaurante com boa pinta. Sim, a higiene pode deixar a desejar, mas a nunca a ignorância e uma imaginação limitada souberam tão bem.
Tudo vem com molho. Se um dia pedir um prato sem molho (escândalo!), prepare-se para uma forte insistência por parte do empregado - "só arroz e frango???". A incredulidade é tanta, que ele vai levar o molho num pratinho à parte - just in case.


Campos de chá em Kerala
4. E os mil km de o comboio?.
Dos 365 dias do ano, os indianos passam mais de cem de férias e viajam muito, visitando a família, que está espalhada por todo o país. Quanto maiores as distâncias, mais baratos são os bilhetes.. e mais surpreendentes e diversas as paisagens.
Chegar à entrada da estação e encontrar um verdadeiro acampamento de gente é comum.
Na primeira classe só se compra bilhetes com três meses de antecedência - e sorte com isso.
A segunda classe é sempre vendida aos turistas e além de bancos, que se convertem em beliche, há também uma ventoinha. São poucos os turistas e muitas as famílias, que por horas transformam o comboio em casa, dormindo, comendo bebendo - já agora, quando bebem de garrafas, os indianos não tocam com a boca na garrafa. No comboio fazem-se verdadeiros picnics. Os comboios na Índia devem ser o local por metro quadrado com maior variedade e intensidade de cheiros de especiarias - e cheira tudo tão bem.
A terceira classe a Raquel não viu, mas crê que será tudo-ao-molho-e-fé-em-Deus (Ganesha).
Os comboios são pontuais.


Taj Mahal, Agra
5. Descobriu que só um photoshop de quatro mil pixels, é capaz de tornar o céu da cidade de Agra, onde está o Taj Mahal, azul claro.
Não me entenda mal. O Taj é uma maravilha do mundo, é perfeito, harmonioso e consegue ser imponente, sem deixar de ser delicado.
Todavia Agra é feia, é suja, cheira mal, muitos esgotos são a céu aberto e a poluição é tanta, que o céu está sempre cinzento. E a pobreza? E a tristeza das vidas?
Uma dica: se for antes das 10h00 da manhã, a entrada no Taj Mahal é gratuita, pois até essa hora uma das mesquitas está aberta para a oração, mas não para turistas, leia-se: estrangeiros.
Um detalhe: junto aos túmulos, há um senhor, que passa o dia de cócoras, escondido, a colectar o dinheiro que é atirado por muitos dos visitantes locais.


Casamento em Udaipur
6. Ela foi aos templos, cantou com as mulheres; foi a um casamento; iniciou uma parceria de negócios; fez uma tatuagem henna "simples" - e mais tarde uma à séria; conduziu um tuk-tuk; foi a uma ONG; conheceu muçulmanos, cristãos e hindus; foi à missa; viu uma cobra e alimentou um bambi; comeu muita fruta (boa); conheceu o Beautiful;presenciou a festa do Sacrifício (o Bairam, muçulmano) e o Diwali (o Natal hindu); fez massagens; foi atacada por passáros na praia; flertou; deixou que lhe lessem a aura (falando disso, será que ela já foi ao médico?); usou um sari e comprou calças de Aladino; regateou e foi ao cinema, onde se levantou como todos os espectadores, que cantavam o hino nacional, que passavam no ecrã.


Arambol, Goa
7. No século XVI, Goa era território português e com orgulho, dizem os antigos. Em Goa, fala-se ainda português. Em Goa, os indianos é que têm a culpa de tudo que é mau - eles e Salazar que demorou a chegar para os defender, "coitado, sabia lá o que se passava ali, tão longe". Em Goa, há igrejas e frases sobre Jesus. Em Goa, há muitos portugueses e mais ainda são os que querem sê-lo. Em Goa, é possível encontrar praias desertas e o pôr-do-sol é perfeito. Em Goa, come-se feijoada. Em Goa há um bolo com mais de 30 camadas, que é muito bom.


Varanasi, cerimónia de celebração hindu
8. Os  2510 km de extensão do rio Ganges não estão sujos, nem poluídos: "o rio está doente", dizem.
Fora toda a poluição "comum", o trânsito e aos carros velhos são um problema. Mas é sobretudo a carência de empresas que tratem o lixo do país, em particular o plástico, que o lixo está literalmente por todo o lado.
No caso do Ganges, há outro problema, que nenhum local assume. Diariamente ocorrem as procissões nocturnas, que terminam com dezenas de imagens de mais de um metro de deuses hindus a serem atirados ao rio. E volto a dizer: diariamente, todos os dias. Mesmo assim, todos os dias chega gente para adorá-lo, para se banhar nele ou simplesmente para o ver antes de morrer.
Varanasi não é fácil e fica na pele.


Vaca em Varanasi
9. Agora somem tudo isto. O total é o número de vacas.
Muitas, muitas, muitas. No meio da estrada, no passeio, junto ao riacho, à porta da mesquita, próximas doa monumentos, no jardim da casa,... Elas misturam-se no colorido, confundem-se entre bicicletas, motos, tuk-tuk's ou autocarros. Quase todas estão bem gordinhas e ninguém se atreve a buzinar. Pelo contrário, os condutores saem dos carros e tiram-nas da rua, empurrando-as amavelmente.
Ao contrário de muitos cavalos e cães, muito mal-tratados, violentados e esqueléticos.



Trânsito em Nova Deli
10. Pode haver gente má na Índia e a Raquel certamente não conheceu um bilião de pessoas. Mas ela tem que admitir: ela só conheceu gente boa, prestável, amigável e curiosa, sempre dispostas a conhecer e a saber mais sobre o mundo lá fora. Gente que todos os dias  trabalha e faz o melhor que pode e/ou sabe.
E também dispostas a regatear, tal como a Raquel, mas sempre com um chá para oferecer ou um grande sorriso, terminando o processo com um aperto de mão.
Com muitas pessoas, a vontade de as colocar dentro de um bolso e trazê-las para casa era enorme. Em particular com as crianças, quase todas de olhos espertos.
Em muitos casos, deu vontade de dar um pontapé ao sistema de castas, que apesar de ilegal, ainda vigora em tantas zonas e escraviza outras mais - gente sem alma dentro.


A Índia faz bem à pele, deixa-nos mais auto-conscientes e agradecidos, cheios de vontade de mudar o mundo.