Ancara, Turquia |
De pequenina já sabia, ela queria encontrar um homem
bonito, apaixonar-se, casar-se, ter
muitos filhos e uma linda casa com jardim nos arredores da capital e ser feliz
para sempre.Era um sonho simples e por isso, os cadernos da escola sempre estiveram cheios de corações desenhados por ela.
Apaixonou-se como tinha planeado. Chamava-se Ilker e era
um jovem bonito, bem falante, ajudante
de pasteleiro e logo se casaram.
Em menos de um ano, nasceu a primeira filha e logo depois
veio outra menina. E outra e mais outra e outra. Em todas as gravidezes,
tricotou roupinhas azuis, mas parecia que Allah se ria dela e dos sapatinhos de lã que fazia. O marido a cada gravidez, apaixonava-se mais e mais pelas suas
meninas, o que lhe causava uma certa irritação.
Com o tempo e a educação das filhas, vieram as primeiras
discussões - todas discussões sem palavras ou gritos, que são sempre aquelas que doem mais.
Ela levava as meninas para a cozinha e dizia "saber
cozinhar o yufka, deixando a massa estaladiça é um orgulho para qualquer
esposa" e logo era interrompida pelo marido, que levava as
filhas ao Mausoléu de Atatürk e lhes falava de liberdade, coragem e progresso na
Turquia moderna, que elas, "as suas filhas", iam ajudar a construir.
Quando saíam em família, ela ajeitava o lenço às meninas. Na rua, assim que alguma delas se começava a queixar por causa do calor ou de que o
lenço apertava o pescoço, o marido logo arranca os lenços das cinco e dizia
"voem borboletas, voem", fazendo rir as adolescentes.
Enquanto ela rezava, ele contava histórias de guerreiros
e dragões. Mais tarde contava-lhes a história de turcas como Sabiha Gokcen.
Levava as filhas a ver futebol, com os amigos homens; incentivava-as a praticar
desporto e aprovava os sonhos de cada uma. Aygul queria ser médica. Inci trabalhar
no banco de Ankara, fazendo muito dinheiro. Fairuza sonhava em ser professora de
desporto na universidade. Eken queria ser jornalista. E Aysel seria modelo ou
quem sabe atriz: uma artista.
O divórcio chegou.
E com ele, a vergonha. Muita vergonha. Ela mudou-se para
os subúrbios de Ancara, não falava com os vizinhos e escondia o olhar.
Horroriza-a a ligeireza com que as filhas diziam aos
outros "os meus pais são divorciados!"
"Por Allah" pensava ela, "divórcio: que
palavra mais atroz!" e chorava.
Não foram
poucas as vezes em que deu por ela a dizer coisas como "o meu marido está
no Iraque a trabalhar" ou "Vou falar com o meu marido e depois dou-lhe
a resposta".
Em algumas noites, ela esquecia-se e cozinhava para ele.
Muitas vezes, comprou-lhe meias novas e sempre que passava na pastelaria da rua Arjantin, comprava o baklavav que o marido tanto gostava.
Perdão: o ex-marido.
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