segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Sobre o Espiritual

Tailândia, Pai
Ele era budista, mas não ia ao templo. Não apreciava os rituais e muitas ideias pareciam-lhe obsoletas e inúteis.
Acreditava na importância de fazer o bem e de que em tudo o que existia, havia espiritualidade. que ela só tinha de ser ouvida, fosse num animal, numa planta ou numa rocha.

Ele contou-me a história de um homem que há muitos, muitos anos era perseguido pela polícia, que nunca o conseguia encontrar. Ele andava pelas montanhas, atravessava os rios e uma vez por ano, regressava à aldeia.
Até que, um dia chegou a uma cidade e ficou desesperado, pois já não conseguia encontrar o caminho de volta. O alcatrão das estradas, os tijolos dos telhados e o cimento das paredes, tornaram-no surdo. O homem deixou de ouvir os espíritos e não sabia como regressar a casa.

Ele disse-me que com ele era  parecido.Também ele na cidade ficava surdo.
Ele sabia tudo sobre a selva: que frutos comer, quais as plantas que ajudavam a cicatrizar, onde hibernavam as cobras ou antever as horas de monções.
Já eu, explicava-me, eu sabia tudo sobre a cidade: quais as estradas mais seguras, diferenciar as sirenes dos alarmes e até reconhecer quais as horas com menos carros. Afinal, também eu tinha aprendido a escutar a cidade.

Pelo meio de quebra-cabeças com palitos e anedotas, ele contou-me que quando ele fez 18 anos, ele foi sozinho para a selva. Na selva, ele ficou cara a cara com um tigre, mas os "dois falaram-se" e cada um decidiu seguir o seu caminho.
Também me contou que uma vez que uma cobra se atravessou no seu caminho, aliás, ele atravessou-se no caminho dela - "era novo, não escutava tão bem como agora", justificou-se. E segundo ele, ele manteve a respiração e ficou imóbil, pois reconheceu pelo ruído das narinas que a cobra estava a caçar.
Falou-me  também dos elefantes, que choram e de como roubar mel às abelhas.

Quando por nós, passaram quatro homens, ele identificou-os como sendo da Birmânia e que entravam na Tailândia à procura de trabalho.
Também eram comuns os coreanos (do Norte) e que saíam clandestinos do país, até à China, entrando depois na Birmânia e que procuravam asilo político na embaixada da Coreia do Sul, em Bangkok. Ali, eles eram depois acolhidos e enviados para a Coreia do Sul - a vida na Coreia do Norte tinha que ser muito triste, para alguém passar por tudo isto, concordamos.
Em ambos os casos, alguns não sabiam escutar os espíritos e era comum encontrar corpos pelo caminho ou no rio.

Escutar é o mais importante, pois é a única ferramenta que nos une com o espiritual - não importava se Buda, Deus, a Natureza ou se com nós mesmos.

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