quarta-feira, 23 de julho de 2014

É da Roménia

Manuel Becerra, Madrid, Espanha

Era assim, sempre que eu ia às compras lá estava ele. Moreno, sem dentes, mas sorridente. Poderia passar uma tarde a contar, que mesmo assim não seria suficiente para contar todas as rugas que tinha na cara. Junto ao bingo da Plaza lá estava ele ao fim do dia: ora de mão estendida, ora de mãos nos bolsos.
Ao principio apenas passava por ele.
Depois vieram os sorrisos e o "¡Hola!", "¡Buenas tardes". Em pouco dia chegamos ao educado espanhol "¿Que tal?" - que ao contrário do português não requer resposta é apenas uma forma educada de fazer notar o outro, para depois (educadamente) seguir em frente. Passei a deixar-lhe um saco de comida. Leite. bolachas, pão, maçãs, iogurtes.
Em pouco tempo vieram as descobertas.

É da Roménia. Não compreendi de onde, exactamente.
Há dez anos que está em Madrid. Ou talvez mais.
Todos os anos volta lá.
Viver nas ruas de Madrid é melhor do que lá.
Muito melhor.
O dinheiro ia para a família. Sem, ele faz dinheiro. Mais do que lá.
Tudo é melhor do que lá. E ri-se.
Tem filhas.
Três delas em Madrid.
De vez em quando vai a casa delas comer. Não pode ser sempre, que os maridos não gostam.
Menos de uma. Essa é uma puta, pois casou-se com um espanhol. Ele não quer um espanhol para genro.
Dormir na rua não é tão mau assim. Madrid é quente e as pessoas "se pasan de mí".
E no Inverno? No Inverno, ele tem um saco-cama como os da tropa, ali não entra frio. A pedido, eu toco no saco-cama e comprovo por mim mesa
Há centros em Madrid, onde gente como ele pode dormir, mas tem que pagar pela estadia e ele não quer gastar esse dinheiro.
Mais pessoas dão-lhe comida.
E para eu não lhe dar mais maçãs, como tem poucos dentes são-lhe muito difíceis de comer, explica-me.

Desde que mudei de bairro nunca mais o vi.

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